Ensaio 3 - Qualia Explanadum
Sobre a falsa depreciação da nossa qualidade de experiência devido ao surgimento de explicações
Sobre a falsa depreciação da nossa qualidade de experiência devido ao surgimento de explicações
É comumente pensado que a visão exposta no Ensaio 2, que toda nossa vida mental tem origem em nosso organismo material, é demasiada reducionista, simplística, materialista demais, pouco inspiradora, como se retirasse a beleza do que é ser humano.
Penso que a criatividade, a magnificência, a complexidade das nossas vidas mentais, da nossa experiência do Eu, provavelmente continuará a nos impressionar de qualquer forma seja qual for a explicação para ela, nada de importante sobre a qualidade de nossas experiências subjetivas é perdida se de fato a explicação para toda a natureza humana for de origem material.
Sabemos que o sol é composto por moléculas de hidrogênio, hélio e alguns outros elementos, essa informação não deprecia a beleza de ver o pôr do sol, imagino que era assim quando não sabíamos sequer o que eram moléculas, e continua a ser incrível após descobrirmos a composição material solar. O mesmo penso que vale para a nossa humanidade, saber que nossas memórias estão armazenadas em alguma forma material ou energética em nossos cérebros não torna lembrar de tempos incríveis do nosso passado uma experiência menos valiosa. A riqueza da experiência do que é subjetivamente ser humano ainda continua presente. Saber a química, anatomia, neurofisiologia, de qualquer estado mental ou de ser, das nossas emoções por exemplo, não torna experienciá-las menos qualitativamente impressionante e explicações mágicas não são requeridas.
Tais conhecimentos, seja sobre o sol, ou seja sobre a natureza humana, além de não atingir a nossa experiência subjetiva momentânea nos permite expandir o horizonte de experiências positivas possíveis no futuro.
É como se ao assistir a um excelente espetáculo de mágica um prefira não saber a mecânica de funcionamento do truque, talvez porque o sentimento de surpresa e mistério irá desaparecer uma vez que tudo for revelado o truque se tornará insípido. Não há problema em querer ter essa experiência num espetáculo, uma de completo mistério, mas quando as coisas realmente importam, em casos em que tentamos elevar o nosso conhecimento sobre qualquer tópico em questão para resolver problemas, a intuição contrária torna-se prioridade. Entendimento mecanístico usualmente virá ao resgate, pois operar num mundo mágico composto de obscuridades, conceitos misteriosos e livres de evidências, pode trazer sensações de surpresa, mistério, reverência para o espectador, porém não é suficiente quando precisamos performar a mágica, o bom mágico sabe mecanicamente exatamente o que está acontecendo em seu espetáculo, o bom doutor em sua mesa cirúrgica, e o bom pintor em seu quadro.
Muitas pessoas são visivelmente apavoradas de qualquer tipo de conhecimento que tente compreender nossa vidas mentais, nossa subjetividade, em termos mecanísticos, filosóficos, científicos, biológicos, químicos, pois de alguma forma isso parece remover a santidade do que é ser humano, o quão sagrada é a nossa experiência no mundo. Isso ao meu ver não passa de um bicho-papão psicológico, uma antagonização improdutiva e desnecessária ao conhecimento, pois continuamos a descobrir incessantemente que todo aspecto do seu Eu, da sua vida mental, da sua subjetividade, personalidade, das suas emoções, está em alguma forma ou jeito imbuída em seu corpo, mais e mais explicações verossímeis que são terráqueas, materialistas, livres de mágica e divindades sobre o funcionamento da natureza humana surgirão, esses conhecimentos devem ser encorporados as nossas tradições contemplativas, meditativas, religiosas, que engrandecem nossa subjetividade e capacidade de reflexão, que nos convence na simplicidade o quão sagrada é experiência de que é ser um ser vivo. Tais tradições tem que ter contato com o mundo das evidências, pois lutar com fatos é simplesmente enganar a si mesmo.
Por Yuri Santana
Arte por Wojciech Weiss - A Beaming Sunset
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